Qualquer um que se recorde razoavelmente dos anos 2011, 2012, 2013 e 2014, sem muito esforço será capaz de lembrar o “boom” das ações revisionais à época. Todos já ouviram falar ao menos uma vez que Fulano conheceu Beltrano que entrou com uma ação revisional para abaixar a parcela do seu veículo financiado. Houveram até mesmo pessoas que já compravam tais veículos, com o animus de ingressar com uma revisional tão logo fosse possível.
Dessa forma, o legislador foi forçado a tomar uma providência, essa que veio inclusa no texto do novo Código de Processo Civil aprovado em 2015, que passou a vigorar em 2016. Esse diploma enrijeceu sensivelmente o procedimento para as malfadadas revisionais. De modo que se tornou muito difícil, e porque não dizer excessivamente difícil, conseguir um pleito favorável em sede de medida liminar em ações de tal natureza.
Por uma irônica anedota do destino, quando a nova lei estava perto de fazer seu quarto aniversário de vigência, o mundo foi surpreendido com a crise sanitária do novo Corona Vírus. Que já vem causando muitos impactos econômicos, mas que segundo uma considerável parcela de estudiosos da economia, a pior fase da recessão ainda está por vir.
Diante de todo esse cenário e a crescente demanda de ações revisionais sendo propostas, é prudente tecer alguns comentários no afã de esclarecer algumas questões a meus nobres colegas de labor e também iluminar um pouco as dúvidas dos particulares, pessoas físicas ou jurídicas que já sentem o impacto dessa crise.
É cediço que os impactos econômicos dessa crise já existem, e já atingem em maior ou menor intensidade uma parcela considerável da população, situação que aumenta a cada dia que perduram os efeitos da crise sanitária. Movidos por esse sentimento de urgência o congresso nacional, como era de se esperar, trabalha a todo vapor para manter ativa sua produção legislativa (descontrolada).
Dentre alguns projetos o do Senador Antônio Anastasia, PL 1.179/2020 que segue com tramitação acelerada no Congresso propõe, em síntese, alterações consideráveis no Código Civil, justificando-o como um Regime Jurídico emergencial e transitório.
E é justamente nesse ponto que surge o primeiro paradoxo. senão vejamos. O projeto de lei propõe que: não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos art. 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário” (art. 7º). Na forma como foi escrito o projeto de lei, se aprovado, em tese tem o condão de produzir o efeito justamente contrário do que se propõe.
O projeto ignora completamente, o aumento da inflação, a variação cambial e a substituição monetária, como se isso não fossem algumas das consequências lógicas da crise. O problema das medidas de isolamento social aplicadas pelo Estado, não estão em si mesmo, mas em seus desdobramentos, que por consequência, inevitavelmente serão os efeitos elencados acima.
A explicação para isso parece ser que a preocupação legislativa é em criar um paliativo que atenda, ou pareça, atender as demandas de maneira urgente, sem se preocupar com o que está por vir. Ou seja, o PL 1.179/2020 parece querer, isolar como caso fortuito ou força maior apenas o período sob o qual perdurar as medidas de isolamento.
Tal medida pode infligir consequências excruciantes para todo o setor econômico, pois em um momento tão sensível para nosso tecido social, a aprovação de uma Lei contraditória, que pode complicar ainda mais o caminho de quem precisar se socorrer desse remédio processual que é a ação revisional.
Deixando de lado nosso exercício de futurologia, e crítica, à Lei que pode nem sequer existir, vamos falar um pouco do cenário atual. O Código Civil, prevê em diversos trechos a possibilidade de revisão de contratos diante de um, caso fortuito ou força maior (art. 317).
Logo, as ações revisionais que, diga-se de passagem, não se prestam somente a revisar valores de financiamentos de veículos, mas sim ao sentido etimológico da palavra, ou seja – Revisar – Contratos pré-existentes, mesmo que sem vícios, mediante comprovação de fato superveniente que não se podia esperar à época da celebração do contrato.
Nesse sentido o brocardo “O acordo faz lei entre as partes” não tem aplicabilidade absoluta, podendo inclusive ser resolvido o contrato desde que comprovada superveniência do fato, e que a parte que pleiteie a revisão não tenha concorrido direta ou indiretamente para a produção desse fato novo que tornou a prestação excessiva.
Dito isso, é mister delinearmos o que pode ser considerado como fato novo, para tanto vamos nos valer do enunciado 366 da IV Jornada de Direito civil, que nos ensina: o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.
Trocando em miúdos, ninguém, em pleno gozo de suas faculdades mentais, seria capaz de afirmar que alguém que tenha assumido determinada obrigação civil antes de dezembro de 2019 pudesse prever a catástrofe vindoura, muito menos que tenha dado causa a ela. Outro ponto a ser sopesado, é que os efeitos negativos para a saúde financeira de qualquer um, causado pelas medidas de isolamento tem presunção Juris Tantum, ou seja, admitem prova em contrário, mas em primeiro momento serão tomadas como verdade.
E é nesse sentido que vem caminhando a jurisprudência, ao atender pedidos liminares, tanto de revisão permanente, como as de suspensão ou prorrogação de prazo para cumprimento de obrigações.
A essa altera é impossível não falar dos contratos de Aluguéis, regidos por Lei própria, mas que deve ser interpretada sistematicamente com todo o ordenamento jurídico. Já não é difícil encontrar decisões que até mesmo suspenderam integralmente o pagamento de alugueres.
Tais decisões, a meu ver, transferem toda a onerosidade do negócio jurídico a uma das partes, que por óbvio é aberrante. O locador assim como o Locatário, se vale daquela renda para a satisfação de suas obrigações civis e também da sua subsistência. Portanto, tais decisões que concedem integral direito ao Locatário, de modo genérico, violam diversas garantias processuais e até mesmo constitucionais. Sendo razoável, até mesmo, se falar em um ativismo do poder Judiciário em prol de “politicas sociais” que mais se amoldem as ideologias do Magistrado.
De tudo, se extrai que indubitavelmente estamos diante de uma situação que, como nunca antes visto, é mais do que justificativa para a propositura e procedência de uma ação Revisional. Estando presentes as condições objetivas do art. 317 do Código civil e do art. 300 e seguintes da Lei processual. Restando claro que dificilmente uma ação revisional seria rejeitada de pronto, cabe ressaltar o papel importantíssimo, insubstituível e decisivo do Magistrado que terá a árdua missão de sopesar todos os pormenores de cada caso concreto, decisões das quais em grande número, serão decisivas para o futuro econômico do país.